As novas dinâmicas do streaming
Quem acompanhou o evento da Apple no último dia 25 de março observou que a companhia avança significativamente no mercado de streaming. Com nomes consagrados no palco, como Oprah Winfrey, Steven Spielberg, Reese Witherspoon e Jennifer Aniston, a Apple lançou a plataforma Apple TV+, seu novo serviço de vídeo sob demanda, que reunirá produções próprias de filmes e seriados, além de transmissões ao vivo de jogos, acesso a canais de assinatura, como HBO e Showtime, e a serviços de terceiros, entre eles Hulu e Amazon Prime Video. No mesmo evento, a empresa também anunciou o Apple TV Channels, oferta de canais de televisão com assinatura individual e acesso multiplataforma.
Os lançamentos da Apple mostram claro apetite da companhia em abocanhar uma fatia do mercado de streaming. Mas ela não é a única. A Disney — que recentemente adquiriu a Fox, em operação já aprovada pelo CADE no Brasil(1) — revelou que lançará seu próprio canal de conteúdo sob demanda, com filmes originais e séries exclusivas, até o fim deste ano.
A movimentação, tanto da Apple quanto da Disney, deve gerar um aumento da competição no setor de streaming e pode derrubar a hegemonia da Netflix. O interessante neste novo cenário é o ingresso de empresas com backgrounds distintos em um modelo de negócio similar. A Apple, por exemplo, está deixando de ser “apenas” fabricante de dispositivos para se tornar também um importante player na geração de conteúdo.
O investimento em conteúdo próprio e produções originais segue o modelo fomentado por Netflix e Hulu — essa última, vale lembrar, possui o hit global The Handmaid’s Tale. A Netflix foi visionária ao perceber, há muito tempo, a importância de investir em conteúdo próprio, desenvolvendo produções locais de alcance global. O esforço rendeu não apenas a conquista de importantes premiações do audiovisual – a exemplo dos três recentes Oscars para Roma – como também mais fôlego para absorver os impactos da perda dos títulos da Disney, que deixou a Netflix para virar sua concorrente.
Na guerra entre gigantes pelo mercado de streaming, a indústria do entretenimento no Brasil será diretamente influenciada pela expectativa da expansão da produção local de conteúdo, crescimento dos modelos de negócio e aumento no número de fusões e aquisições. No campo jurídico, espera-se atuação mais voltada para o ambiente de negócios, com foco em transações complexas e maior atenção aos direitos e obrigações das partes, devido à multiplicidade de plataformas e convergência entre mídias.
Outras questões jurídicas também devem impactar o mercado audiovisual e, por consequência, o mercado de streaming. Além do pagamento dos direitos de execução pública de música em serviços de streaming — tendo sido a cobrança pelo ECAD já consagrada pelo STJ(2) —, temos ainda entidades de gestão coletiva representantes de atores, roteiristas e diretores na busca do recebimento de sua parcela de direitos relativa a cada veiculação da obra audiovisual, o que poderá ser objeto de futuras disputas judiciais(3) . No campo regulatório, a Agencia Nacional de Cinema (ANCINE) tem a intenção de regulamentar o segmento de vídeo por demanda, podendo onerar a operação desse setor(4).
Apesar dos desafios jurídicos, o mercado de streaming apresenta crescimento acelerado no país(5) , trazendo muitas oportunidades para o setor. Movimentos como os da Apple e da Disney certamente vão ajudar a impulsionar negócios nessa área. Ainda assistiremos muitas mudanças nesse mercado, numa batalha que está longe de terminar e que, apesar dos desafios, já beneficia muitos jogadores.